Era embaixo do cajueiro, na fazenda do meu avô. No Cauê, interior da Bahia, onde ele ficava.
Nas férias no meio do ano, em uma tarde de sol quente, eu o vi pela primeira vez. Estava na fazenda vizinha, fiquei hipnotizada, queria um pra mim.
Na manhã seguinte, inquieta no café, movimentando as pernas embaixo da mesa, com as mãos procurando o que mexer, os olhos faiscavam de expectativa, indiferentes ao desgosto de minha avó diante dessa minha alegria.
Apesar de vozinha não gostar, a devoção de meu pedido ao meu avô foi tão forte que, com o sol já passado do meio-dia, mas ainda faltando horas para alcançar os braços da lua, ele voltava da lida, trajando sorriso de rei e trazendo nas mãos cordas e madeira.
Minha avó tentou convencê-lo: “Se essa menina se machucar, você é o culpado!”
Vejam se eu, já com oito velinhas sopradas, perto de alcançar mais uma, me machucaria?
Vovô quase cedeu a ela no primeiro momento, mas confessei minha preferência por ele e expressei que tomaria cuidado. Isso e um beijo no rosto lhe deram disposição para começar a construir meu divertimento.
Eu observava atenta, nem tão perto para não atrapalhar, nem tão longe para não me descuidar de detalhes da construção: as cordas sendo presas nos galhos do cajueiro e depois as mesmas, sustentando a madeira. Estava em guarda, como quem espera a hóstia consagrada e a primeira comunhão.
— Dara!!! Daaaara!!!!!
Eu ouvia meu nome como se estivesse em transe, encantada pelo trabalho que analisava. Foi quando percebi que estava pronto para a estreia, mas precisaria esperar, pois o sol já tinha partido e as estrelas dominavam o céu. Era perfeito. Se eu pudesse, dormiria lá, de olhos bem abertos, vigilantes. Seria possível?
— Dara!!! Daaaara!!!!!
Precisávamos jantar. Eu já estava com a barriga bem cheia de felicidade, mas ainda assim queria devorar a noite para que o grande dia chegasse.
Após a refeição, nos reunimos para a oração, vovô sentado na rede, vovó no tamborete, eu ajoelhada diante do crucifixo da varanda, todos iluminados pela luz do candeeiro. As preces eram sempre as mesmas… Pai Nosso, Ave Maria, Anjo da Guarda… Eu, que sempre fingia devoção, rezei nesta noite colocando pontuação em cada frase. A ausência das minhas irmãs — se elas estivessem não parariam quietas, me cutucariam, ficariam rindo baixinho, me beliscando — e o sonho de todo o dia fizeram com que eu me comportasse e agradecesse de fato nas preces dessa noite.
Quase não dormi. Acordava toda hora, espiava pela fresta da janela, mas ainda continuava escuro. O sol tardou, até que entrou devagarinho pela fenda e eu pulei da cama. Nem escovei os dentes, saí correndo para o encontro da minha nave…
— Pode ir voltando, mocinha! Escove os dentes e tome café. E cadê a benção?
— Benção, vôzinho.
— Deus lhe abençoe!
Cabisbaixa, mas com ligeireza, fui fazer o que me foi ordenado. Quando terminei, vovô me esperava no cajueiro como um guerreiro, já dando de imediato algumas orientações, de como tomar cuidado com as lagartas de fogo, não colocar os pés no chão e não aumentar a velocidade.
Sentei-me, posicionei as mãos nas cordas, vovô puxou para trás a madeira em que eu estava sentada e soltou…
Fui ganhando velocidade, ele empurrava as minhas costas.
Fechei meus olhos, sentindo o vaivém… O cajueiro soltava as folhas como se estivesse emocionado… O vento acariciava o meu rosto… Estava no céu!
Elizandra Souza (Filha do fogo: 12 contos de amor e cura, Mjiba – Comunicação, Produção e Literatura Negra, 2020)