Há dias eu pensava sobre a intensidade da dor, como mensurá-la e expressá-la para quem não a sente. Era um exercício de autopercepção e de expressão. Isso me instigava no desafio de traduzir em palavra o que sentia e levar ao outro o que foi sentido. Ofício de quem escreve, não é? Pois, me parecia um bom exercício, esse, de traduzir a intensidade da dor.
O primeiro disparo veio na pergunta “qual a intensidade da dor?”. Eu fiquei sem saber responder, falei que era forte e a medida foi sugerida. “De zero a 10, quanto?” Ainda me detive uns minutos para responder um três, àquele momento. Passaram dias desse diálogo entre paciente e osteopata. E eu fiquei com o de zero a dez na cabeça. O que era pra mim uma dor na intensidade 10? Suportaria mais do que a intensidade que qualifiquei de cinco? Eu não sabia. Sabia apenas que doía e que não era bom sentir o desconforto físico que me visitava fazia tempo.
Não me apraz esse tipo de visita, gera incômodos. Como gosto de ler as coisas, inclusive os sinais do meu corpo, me questionei por anos sobre o motivo da volta indesejada da dor. Caminhos vários percorri, entendi somatizações, padrões, comportamentos vários que eram porta aberta para a companhia dolorosa. Todos foram importantes, reconheço. E se ainda não curei de vez a dor, curei vários mecanismos de atuação na vida que geram desconforto físico ou, se não, tomei consciência de muita coisa em mim que a atraía.
Em várias portas bati, desde tratamento espiritual a ortopedista, cada um trouxe sua cota de contribuição, mas ela continuava dando as caras vez em quando. Resolvi que iria por um caminho novo pra mim, afeita que sou à possibilidade de ter uma perspectiva diferente sobre o já dito. Ia procurar um osteopata para um diagnóstico e tratamento, era uma das minhas metas para 2020. A pandemia chegou, ilhou todo mundo em casa e vi meu propósito de autocuidado escorrer pelos meses. O tempo ia passando, eu via o plano ficar distante. Até que um dia, numa conversa com uma amiga, surgiu o osteopata. Estava dado o sinal, a abertura para a possibilidade de implementar o cuidado. A essa altura o confinamento começava a ser flexibilizado. Deixei passar uns dias, amadurecendo a possibilidade, e marquei a consulta.
Foi lá, no primeiro atendimento, que fui confrontada com o desafio de traduzir a intensidade da dor, com uma régua de zero a dez. O tratamento ia avançando, o desconforto reduzindo e a pergunta volta e meia me rondava. “De zero a dez, quanto?” O que era uma dor nota 10? Com anos de convivência, tornei-me resiliente e resistente à dor. Suportava-a tentando diálogo, mesmo quando ia às lágrimas. Confesso que não sei se as lágrimas eram de dor ou de impotência, outro tipo de dor, que dói além físico.
Nas sessões de tratamento osteopático minha maior intensidade expressada era o cinco. E já era muito pra mim. Sempre, depois da resposta, me perguntava em silêncio. O que é uma dor dez? Aguentaria eu mais do que já estou aguentando? Quanto mais precisa doer pra chegar a 9 ou 10? Já não é o bastante para caber nessa quantificação? Estou superestimando minha capacidade de resistir à dor? Subestimando a intensidade do doer?
Os dias foram passando e a visita, que pensei ter ido embora definitivamente, voltou com disposição. Senti bastante dor, tive alguns movimentos comprometidos e também a possibilidade de receber cuidado profissional num curto espaço de tempo. “Dói?” “Dói”. “Quanto?” “Muito.” “De zero a dez, quanto?” “Cinco, seis… o que é uma dor nota dez?” Não tive resposta. Doía muito e era o bastante. Cinco era igual a dez na matemática dolorida do meu corpo. Finalmente consegui resolver o impasse.
Lílian Almeida