O espelho divisava as faces. Ela suspensa no corselete e no salto preto. Ela espiando por cima dos olhos para convencer-se da mulher que via. O tango eletro-argentino arrastava volteios e ganchos. Cabelos vaporosos, boca vermelha, cinta liga. O elo entre uma e outra. A roupa e a pele no ceder sem ir ao fundo de quem. Elas. O caliente idioma, rubro espanhol. A batida eletrônica avançava sobre o que já era. O rosto molemente por cima dos ombros. Ela cedendo ao compasso, empurrando a mulher no sem saber. O som enchia os poros, o espaço. Os olhos se encontrando no espelho. O riso gozado escorrendo na malícia de ver-se. Um vermelho explodia na altivez do busto, na firmeza do olhar, no passo seguro. Elas tomaram-se pés, coxas, quadril, ventre, peito e mãos. Coladas. No espelho, um tango-mulher. Uma flor incendiária consumia o que ficou para trás.
Lílian Almeida