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Soneto de Eurydice
Eurydice perdida que no cheiro
E nas vozes do mar procura Orpheu:
Ausência que povoa terra e céu
E cobre de silêncio o mundo inteiro.
Assim bebi manhãs de nevoeiro
E deixei de estar viva e de ser eu
Em procura de um rosto que era o meu
O meu rosto secreto e verdadeiro.
Porém nem nas marés, nem na miragem
Eu te encontrei. Erguia-se somente
O rosto liso e puro da paisagem.
E devagar tornei-me transparente
Como morte nascida à tua imagem
E no mundo perdida esterilmente.
Saga
Aos outros dei aquilo que não eram
E por isso depois me arrependi.
Um homem morto em tudo o que perdi –
E olhos que são meus e não me esperam.
Dia
Como um oásis branco era o meu dia
Nele secretamente eu navegava
Unicamente o vento me seguia.
No tempo dividido e mar novo – Sophia de Mello Breyner Andresen
(Edições Salamendra, 1985)