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Concreto, significativo, ICÔNICO, ele paira sobre as nossas cabeças e almas ipiauenses, sobre o município e, além, vejo-o de um lado, de Ubatã, e, de outro, de Ibirataia. É, a um só tempo, esplendor e sepultura, como disse um poeta parnasiano da Língua Portuguesa. O que o fez esplendor? Os nove andares (aproximadamente 50 metros do nível da Praça Ruy Barbosa); as mãos dos “agregados”, dos roceiros, dos tabaréus, dos peões; o poder do capital; enfim, as muitíssimas arrobas de cacau. O que o faz sepultura? A monocultura; a vaidade dos fazendeiros; o desmando dos coronéis; o descaso dos alcaides e dos edis; enfim, a vassoura-de-bruxa. Desde 1979, quando se iniciou sua construção, a qual foi paralisada em 1983, este titã de ferro e concreto parece agonizar pública e silenciosamente: suas varandas – órbitas vazias de caveira –; suas janelas devassáveis à ira dos ventos, às águas do tempo, ao fogo do sol de Ipiaú; o reboco aqui, ali e acolá dissolvendo-se, esgarçando-se feito epiderme velha; em tudo ele é um abandono edificado já. 135m² de sólida solidão em cada um dos dezoito

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apartamentos, três-quartos, suíte e sala e dependências e garagem. Imagino o que vai nele à noite, os fantasmas que o frequentam, os bichos que roem seus alicerces. Ainda bem que os sem-terra por aqui ainda não se tornaram sem-apartamento!… Fermez la bouche, croniquer! Seu poético nome é Edifício Vale dos Rios, embora seja mesmo conhecido por Edifício Santa Paula, emprestado da Construtora e Incorporadora que o erigiu para ninguém.

Vitor Hugo Martins

(professor do curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – Campus XXI, Ipiaú. Poeta, cronista e contista.)

Ícone integra o volume Cronicália (Vitor Hugo Martins, Via Literarum, 2015)